Entre o final do ano 2014 e o início de 2015 a imprensa não parava de noticiar que a dívida pública do Brasil estava aumentando perigosamente. Àquela época, mais especificamente em dezembro de 2014 a dívida bruta do Governo Central estava, no final de 2014, em 57,19% do PIB, de acordo com os dados oficiais do Bacen. Se olharmos para o tamanho da dívida pública de outros países do mundo no mesmo período, veremos, por exemplo, a dívida pública do Japão acima de 240% do PIB; veremos também os EUA com uma dívida superior a 100% do PIB; e poderemos ver ainda um país como o Líbano com uma dívida de 133% do PIB. Se focarmos então apenas o tamanho da dívida, como faz a mídia quando é conveniente para certos interesses, não veremos o problema central do endividamento público, que é o custo dessa dívida para a sociedade e a quem ela está servindo. Isso nos levará a fazer a seguinte reflexão: será mesmo que é o tamanho da dívida pública o que importa? Por que os EUA, que tanto exigem níveis mais baixos de endividamento dos outros países, podem ter uma dívida dessa dimensão e não sofrer qualquer tipo de retaliação internacional e comentários da imprensa? A questão relevante sobre a dívida pública não está no seu nível/tamanho, mas na sua composição e no peso que representa para a sociedade (o peso dos juros, algo abusivo no Brasil, e a rolagem). Ter uma dívida pública de mais de 100% do PIB com títulos de longo prazo, como no caso do Japão, é bem diferente de ter uma dívida pública praticamente toda vinculada a títulos de curtíssimo prazo, como no caso do Brasil, que vive chantageado pelos credores desses títulos de alta rentabilidade e de curtíssimo prazo. Mas você nunca vai ver a mídia chamando a atenção para isso, pois a mídia faz parte do sistema da dívida que subordina o Brasil. O tamanho da dívida pública nunca importa quando se trata de países com poder econômico e militar como os EUA. Você já parou para observar como de repente a imprensa parou de falar do crescimento desesperado da dívida brasileira? Neste ano a dívida pública do Brasil já supera 70% do PIB, mas curiosamente a mídia não faz mais o mesmo barulho que fez entre 2014 e 2015. A imprensa brasileira, que tanto gosta de manchetes sobre CPI’s nunca noticiou uma linha sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI da dívida) realizada na Câmara de Deputados entre 2009 e 2010. A CPI apurou uma série de indícios de ilegalidades e ilegitimidades no processo e composição da dívida brasileira. A CPI revelou um esquema e as seguintes ilegalidades: i) o Estado assumiu dívidas privadas; ii) uma série de cláusulas ilegítimas nos contratos de endividamento externo; iii) dívidas vencidas que ainda continuavam sendo pagas; iv) o próprio setor financeiro determinando a taxa de juros Selic; dentre outros absurdos. Uma auditoria da dívida pública com participação social é um elemento indispensável para enfrentar esse sistema da dívida.
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Você já ouviu falar em especulação financeira, paraísos fiscais, lavagem de dinheiro, financiamento de armas para guerras? Muito provavelmente sim! É desses temas reais que trata o filme Trama Internacional, lançado em 2009. Com um enredo bastante envolvente para quem aprecia filmes de ação, Trama Internacional consegue tratar de modo bastante fiel situações reais, muitas delas operadas no submundo do sistema financeiro. O filme foi baseado no escandaloso caso do Bank of Credit and Commerce International (BCCI). Nos anos 1990, após investigações, revelou-se um mega esquema operado pelo BCCI, que, segundo o jornal O Globo, envolvia lavagem de dinheiro, corrupção e, inclusive, a participação da agência de segurança internacional dos EUA (CIA) para financiamento de grupos de extrema-direita na Nicarágua. No filme um agente da Interpol, Louis Sallinger (Clive Owen), e uma promotora de justiça dos EUA, Eleanor Whitman (Naomi Watts), se empenham em levar à justiça os crimes protagonizados por um dos maiores bancos (IBCC) do mundo, mas se deparam com a própria conivência da justiça com crimes desse tipo. Embora baseado no caso do BCCI, o filme aborda questões muito atuais que se desenrolam no “submundo” do sistema financeiro internacional que está cada vez mais desregulamentado. O filme tem muitas cenas interessantíssimas, mas uma em especial chama a atenção, quando um dos personagens afirma “quem controla a dívida, controla tudo!”, enfatizando que o maior negócio do banco é o controle das dívidas geradas pelas guerras. O portal G1 divulgou que o ator do filme Clive Owen enfatizou que as grandes perguntas (“os bancos utilizam nosso dinheiro de forma inapropriada? “Podemos confiar neles?” “Estão corrompidos?”) colocadas pelo longa-metragem ganharam relevância especial depois do que a crise de 2008 provocou no mundo inteiro. Na crise de 2008, apesar da falência do Lehman Brothers no mesmo ano, e das comprovações de fraudes e corrupção, nenhum grande banqueiro foi preso ou condenado pelo que provocou. Além disso, depois de injetar dinheiro público nos bancos para salvá-los, hoje a população estadunidense e de outros países, que necessita de serviços públicos sabe exatamente o que o Estado repete todos os dias: “é impossível aumentar a oferta de serviços públicos, as contas públicas só fecham no vermelho, a dívida pública está muito elevada. Tem que cortar despesas sociais”. Obviamente que o crescimento dessa dívida nada a tem a ver com uma suposta gastança do governo com os mais necessitados, trata-se sim de uma gastança para bancar a farra dos super-ricos “invisíveis”. Referências: http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/usado-pela-cia-banco-era-paraiso-de-suborno-terrorismo-lavagem-de-dinheiro-10168848 http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL996956-9356,00-TRAMA+INTERNACIONAL+UM+FILME+CASUALMENTE+ATUAL+PELA+CRISE+FINANCEIRA.html Em primeiro lugar é importante que você saiba, ou melhor, tenha certeza de que a previdência social não é uma benesse ou um “favor” do Estado brasileiro para o povo; trata-se de um direito conquistado com muita luta e trabalho de conscientização ao longo de décadas, como diversos outros direitos conquistados nas sociedades capitalistas. A previdência pública não é uma aberração brasileira, como a mídia, o Des(governo) Temer e os grandes bancos querem fazer a população acreditar.
A previdência pública é uma realidade nos vários países do mundo, e também foi uma conquista da sociedade brasileira, instituída na Constituição Federal de 1988. A partir de então, a Constituição passou a assegurar um conjunto de direitos (Saúde, Assistência social e Previdência) naquilo que se chama Seguridade Social. Mas em qual parte da Constituição Federal pode-se verificar a existência desses direitos? Dos artigos 194 ao 204 a Constituição trata detalhadamente da obrigatoriedade que o poder público tem de assegurar para o povo saúde, assistência social e previdência. É interessante observar que a Constituição estabeleceu também as fontes de financiamento (recursos) para a política de Seguridade Social (Saúde, Assistência e Previdência), por isso, caro (a) leitor (a) tome nota do seguinte: a contribuição ao INSS, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), são fontes que financiam o nosso direito à aposentadoria, como explica Maria Lúcia Fattorelli (ex-auditora fiscal da Receita Federal e atual coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida) no programa Viva Roda. Os movimentos de auditoria da dívida surgiram como um meio de se opor à narrativa oficial sobre a obrigatoriedade inquestionável de pagar a dívida. Embora pareça ser um ato exclusivamente técnico, o objetivo das auditorias não é um exercício de contabilidade rotineira, mas sim uma tentativa de iniciar um amplo movimento de participação popular para reforçar os processos democráticos e confrontar o poder financeiro instalado. Os ‘auditores’ são todas as pessoas que queiram participar, representantes de movimentos sociais e do movimento sindical, empregados, desempregados, etc. As auditorias da dívida são ferramentas para envolver as pessoas na investigação sobre o impacto que o endividamento tem tido sobre a economia e a população. Uma nova geração de movimentos de luta contra a dívida, que colocou a auditoria no centro das suas atividades, surgiu nos últimos anos, inspirada pelas metas e objetivos dos movimentos pela justiça global contra o endividamento em curso nas últimas duas décadas, por exemplo, o Jubilee 2000, o CADTM e o Jubileu Sul. Essas organizações há muito tempo lutam contra o uso e abuso da dívida como transferência ilegítima de recursos, desencadeando ações como a Who Owes Who (“Quem Deve a Quem”) para desafiar e reverter o discurso tradicional de que os devedores devem aos credores (Millet-Toussaint, 2004). Os movimentos pela justiça global contra a dívida criaram todo tipo de iniciativas para anular dívidas ilegítimas e injustas, deixando atrás de si uma vasta experiência. Exemplos emblemáticos que inspiraram os atuais movimentos de luta contra a dívida incluem iniciativas oficiais, tais como a Comissão de Auditoria Integral de Crédito Público do Equador (CAIC), ou as iniciativas cidadãs do Brasil ou das Filipinas. Em 2012, havia uma grande diversidade de grupos na Europa de auditoria cidadã em atividade; uma plataforma com 12 países participantes, alguns com mais de uma iniciativa, resolveu unir esforços e partilhar as experiências das redes e movimentos participantes. A International Citizen Audit Network (“Rede Internacional de auditorias cidadãs” / ICAN) foi, num primeiro momento, alojada pelo CADTM na Bélgica, e criou o espaço necessário para a partilha de informações sobre as várias auditorias ou outro tipo de lutas contra a dívida. A plataforma preencheu um espaço fundamental de partilha de informações, onde os grupos podiam se conhecer e inspirar-se mutuamente, por lidarem com questões semelhantes. A iniciativa permitiu a partilha de ferramentas e de recursos, mas também a discussão de ações e de estratégias de mobilização em que cada um estava envolvido. A plataforma ajudou a consolidar uma rede internacional onde era possível colaborar e manifestar solidariedade, identificar dias importantes de ação comum e planos para coordenar atividades coletivas. Objetivos das auditorias A observação do processo de formação de dívida tem um objetivo educacional bastante amplo. Facilita a educação popular sobre um assunto que comumente utiliza termos e processos considerados complicados. As auditorias podem também funcionar como repositórios de conhecimento sobre um determinado local, e um meio para troca de informações sobre os mecanismos da dívida, operando, por exemplo, em autarquias locais, empresas estatais, ministérios, e tendo como base as contribuições de todos os participantes. Sendo um processo educativo, a auditoria é também fundamental para o desenvolvimento de argumentos e provas que permitam responsabilizar governos e autoridades pelos seus empréstimos. Pode ajudar os movimentos a articularem reivindicações sobre a anulação da dívida ou mobilizar procedimentos legais contra as dívidas ilegítimas, ilegais e injustas. Nesse sentido, pode ser um catalisador de mobilizações pela justiça social (ver: Fattorelli, 2014). Melhorar a responsabilização e a transparência, capacitar os cidadãos e reforçar o seu poder no sentido de supervisionarem e questionarem “os atos daqueles que os governam… é parte intrínseca da democracia… O fato de os governos, que continuamente criticam a imprensa com a sua retórica sobre transparência, se oporem às auditorias cidadãs é um sinal de que as democracias atuais se encontram numa situação lamentável. A necessidade permanente de transparência nos assuntos públicos está se tornando uma necessidade social e política vital” (Millet e Toussaint, 2012). A criação de redes e a divulgação são atividades-chave levadas a cabo por muitas auditorias cidadãs. Incentivar a informação sobre o funcionamento real da economia permite a articulação de alternativas mais justas; saber mais sobre o atual mecanismo de dívida possibilita a criação de alternativas que respondam às reais necessidades e interesses da sociedade, em detrimento das necessidades de ‘mercados’, elites e credores (PACD, 2013). Uma auditoria da dívida tem como principal objetivo analisar as características da dívida e a política de endividamento seguida pelas autoridades. Tendo em vista as pressões que são exercidas em torno dos orçamentos públicos no sentido de dar prioridade aos interesses dos credores, os cidadãos têm exigido saber como foram contraídas as dívidas e onde foi gasto o dinheiro (ver, por exemplo, Laskaridis, 2012 e 2014a). As perguntas feitas incluem saber: o que levou o Estado a assumir dívidas cada vez maiores? Quais os fins políticos e os interesses sociais que levaram a contrair a dívida? As dívidas foram usadas de acordo com o propósito inicial? Quem se beneficiou dos empréstimos? Quem são os credores e que condições impõem? Como foram tomadas as decisões para contrair os empréstimos? Que parcela do orçamento público é usada para pagar a dívida? Como o Estado financia o pagamento da dívida? Quais os juros pagos e quanto do montante principal já foi reembolsado? Como foi que as dívidas privadas se tornaram dívidas públicas? Quais as condições de cada resgate bancário? Quanto custaram? Quem tomou as decisões? Como afirma a iniciativa de auditoria da dívida dos cidadãos espanhóis, a PACD: “Há dívidas que implicam violações de direitos humanos ou de direitos econômicos, sociais e culturais da população, que ameaçam o desenvolvimento de uma vida digna, que geram desigualdade beneficiando uma elite e prejudicando a maioria da população, que enfraquecem a soberania ou que resultam de corrupção ou de má gestão do governo. Estas dívidas podem ser consideradas ilegítimas, injustas ou mesmo contrárias aos princípios do direito internacional” (PACD, 2013). Texto escrito por Christina Laskaridis, Nathan Legrand e Eric Toussaint. Publicado na íntegra em: www.cadtm.org/As-lutas-atuais-contra-a-divida Tradução em português brasileiro: núcleo baiano da Auditoria Cidadã da Dívida Referências Fattorelli, M. (2014). Citizen Public Debt Audit Geneva. English Edition, Liège, Belgium: CETIM/CADTM. Laskaridis, C. (2012). Why audit the Greek debt Journal of Modern Education, Vol 168 (em grego). Laskaridis, C. (2014a). Mechanism of Debt Levga Periodical, Issue 14 (em grego). Millet., D. and Toussaint, E. (2004), Who Owes Who? London, UK: Zed Books. PACD Plataforma Auditoria Ciudadana de la Deuda, (2013), What the PACD means by citizens debt audit and illegitimate debt, Retrieved from http://auditoriaciudadana.net/2013/06/08/what-the-pacd-means-by-citizen-debt-audit-and-illegitimate-debt. Nos últimos dois anos, começou no Brasil uma campanha agressiva nos mais diversos meios de comunicação (TV, rádio, jornais e revistas) para fazer a população acreditar que o problema da dívida pública está centrado nos gastos sociais (saúde, educação, habitação, etc.). Uma das estratégias usadas, principalmente pelo Governo Temer, tem sido tentar desinformar as pessoas sobre a operacionalização das contas públicas. De que forma isso tem sido feito? Bem, tendo em vista a insignificância política da figura de Michel Temer, é provável que você não se lembre do primeiro pronunciamento dele como presidente, na noite do dia 31 de agosto de 2016...mas vamos recordá-lo (aproveite para rever o discurso no youtube). Naquela ocasião, Temer afirmou em cadeia nacional precisamente a seguinte frase: “o governo é como a sua família. Se estiver endividada, precisa diminuir despesas para pagar as dívidas”. Essa ideia sobre as contas do governo se transformou numa das principais propagandas enganosas dos últimos tempos, com o propósito de fazer a população aceitar os altos cortes sobre os gastos sociais (educação, saúde, programas sociais, habitação, etc.). Se você até agora seguiu acreditando nessa propaganda, não se preocupe, vamos explicar para você a verdade sobre as contas do governo, revelando como elas são totalmente diferentes das contas da nossa casa. Mas então...o que tem de tão específico assim no orçamento público (contas do governo)? São muitas as diferenças, mas vamos abordar neste breve espaço do blog três diferenças essenciais para você nunca mais se esquecer: i) o orçamento público é um instrumento político; ii) o orçamento público é um instrumento econômico e iii) também é um instrumento legal (lei). Em primeiro lugar temos que nos perguntar o seguinte: em termos econômicos, o que é a família ou o indivíduo? E o que é o governo? Do ponto de vista econômico, a família é uma unidade de consumo, isso significa que os recursos (as receitas) disponíveis para a família (sálarios, transferências do governo, dinheiro proveniente dos famosos “bicos”, etc.) atendem às suas necessidades de consumo (despesas com alimentação, saúde, educação, transporte, lazer, etc.) que garante a sua sobrevivência. O governo, diferentemente disso, é mais do que uma unidade de consumo, ele também é uma unidade de produção, já que tem empresas, além disso, é também um mecanismo indispensável de distribuição de renda nas sociedades capitalistas. Assim, os recursos do governo (impostos, tributos, contribuições, receitas das suas empresas, etc.) são usados para importantes investimentos sociais tais como construção de escolas, universidades, estradas, hospitais, casas populares, dentre outros, os quais ou não seriam construídos, ou seriam demasiado caros se deixados para a iniciativa privada ofertar para a população. Vamos agora entender as três características mencionadas!! Para entender como o orçamento público é um instrumento político, pense no caso do orçamento federal brasileiro, que é elaborado todo ano pelo Poder Executivo (Presidente) e depois enviado para o Congresso Nacional aprovar. Você deve lembrar que o Congresso Nacional é formado pelos deputados federais e pelos senadores que votamos em cada período eleitoral...a complexidade não termina aí. Veja também que há deputados e senadores que estão ali defendendo os interesses dos grandes empresários, banqueiros, grandes fazendeiros, enquanto uma parcela muito pequena desses políticos tem defendido os interesses do povo (trabalhadores e trabalhadoras, dos desempregados, dos servidores públicos, dos indígenas, etc…). O processo de elaboração, aprovação, sanção e execução do orçamento público obedece a um trâmite político em nosso país...perceberam? Os dados têm mostrado – como é possível ver no gráfico da ACD no final da página – que este modelo tem definido mais de 40% do gastos totais para o sistema da dívida pública (beneficiando grandes bancos e investidores), enquanto pouco mais de 4% é destinado para a educação e saúde públicas. Por isso a população deve exigir novos modelos de participação política sobre as decisões em matéria de orçamento público. Veja só como é diferente a coisa quando se trata do nosso orçamento individual, não é? Enquanto as famílias dispõem de elevado poder de decisão pessoal para definir como gastar os seus recursos, o governo é pressionado para atender as exigências das bancadas mais fortes (grande empresariado, latifundiários e grandes bancos) que estão no Congresso Nacional. Agora vamos passar para a segunda diferença, trata-se do papel econômico que o orçamento público desempenha. Você sabia que é através do orçamento público que o governo pode melhorar a distribuição de renda do país? O governo faz isso, por exemplo, quando implementa o imposto sobre grandes fortunas (previsto na Constituição Federal, mas ainda não regulamentado até hoje) com o objetivo de aumentar as receitas para atender às demandas das classes sociais que mais necessitam de saúde e educação públicas. Por fim, o orçamento público é uma lei autorizativa, denominada Lei Orçamentária Anual (LOA). Assim, todo ano uma LOA é o instrumento que prevê a arrecadação para os cofres públicos e autoriza determinadas despesas para o conjunto da sociedade. Esse documentário, dirigido pelo cineasta Carlos Pronzato, é uma fonte indispensável para quem quer entender a relação entre a dívida pública brasileira e a atual situação de desmonte do Brasil. Desenvolvido em 2014, o trabalho de Pronzato traz uma série de entrevistas com especialistas experientes no tema da dívida pública, que nos mostram como a dívida pública brasileira vem colocando a soberania do país na corda bamba. Hoje, com os ataques do Governo Temer (a "PEC da morte"/atual EC n.º 95, o desmonte da Petrobras, os pacotes de privatização, etc.), que vão intensificar a dependência econômica e tecnológica deste país de gente tão trabalhadora, não é alarmismo dizer que a soberania do país está praticamente nocauteada. Enquanto os grandes meios de comunicação seguem mentindo, tentando nos convencer de que a dívida pública do país se tornou uma bola de neve devido aos gastos sociais (saúde, educação, habitação, serviços públicos, etc.) gerados por governos bondosos demais, a realidade de precariedade que as pessoas enfrentam para ter acesso à saúde pública, ou para conseguir educação pública, mostra que, ao contrário do que se afirma em determinados canais de TV e rádio, não há qualquer gastança com as pessoas que necessitam desses bens públicos. Mas então, o que tem feito a dívida pública do país virar uma bola de neve? Há algumas décadas a dívida pública brasileira vem perdendo aquela característica tradicional de financiamento complementar, utilizado pelo governo para complementar os recursos necessários para o atendimento das necessidades da população. A dívida pública tem se tornado cada vez mais uma dívida sem contrapartida em bens e serviços para a sociedade, convertendo-se em um instrumento a serviço da especulação financeira. Ou seja: uma dívida feita principalmente para pagar os altíssimos juros da própria dívida, e para cobrir operações financeiras que não beneficiam o povo, mas apenas grandes bancos e investidores, como as chamadas “operações compromissadas” e as “operações de swap”, que serão melhor explicadas nos próximos materiais deste blog. Como se não bastasse isso, sobre essa dívida incidem altíssimos juros, que são pagos aos grandes bancos e detentores de títulos dessa dívida. Vale dizer que em meio à profunda crise econômica que abate o Brasil neste momento, onde mais de 13 milhões de pessoas estão desempregadas, os grandes bancos (Itaú e Bradesco, por exemplo) seguem batendo recordes de lucros devido a esse mega esquema de corrupção institucionalizado, chamado sistema da dívida; infelizmente desconhecido pela maioria da população do país. Além disso, de acordo com os dados oficiais, do próprio Banco Central do Brasil, de 1998 a 2013 os governos federais do Brasil realizaram o chamado superávit primário, ou seja, os governos gastaram nas áreas sociais bem menos do que o que foi arrecadado, o que resultou numa sobra de recursos que foi reservada para a mão daqueles que recebem juros e outros serviços da dívida pública. Entretanto, mesmo assim a dívida continua crescendo como uma verdadeira bola de neve. Na próxima postagem falaremos sobre como funciona o fenômeno da especulação financeira no Brasil...contamos com a sua participação no blog!! Notas complementares ao documentário "Dívida pública brasileira - a soberania na corda bamba"16/4/2018 Nota 1 - No minuto 13 do vídeo, o entrevistado João Pedro Stédile diz que os beneficiários da dívida pública seriam somente 15 mil famílias. Atualmente, existem também os chamados “Fundos de Investimento” e “Fundos de Pensão”, que são bastante citados pelos analistas neoliberais como sendo uma prova de que a dívida beneficia milhões de pessoas. No caso dos Fundos de Investimento, as pessoas podem aplicar suas economias em “fundos de renda fixa” em qualquer banco, que por sua vez aplica o dinheiro dessas pessoas em títulos da dívida interna. Porém, quando analisamos a distribuição dos tipos de detentores de títulos da dívida interna federal, verifica-se que os bancos, investidores estrangeiros e as seguradoras (que possuem grande ligação com bancos) já respondem pela maioria do estoque da dívida “interna”. No caso dos Fundos de Investimento, que apenas respondem por 21% da dívida interna, quando foi solicitado ao governo, por meio da “Lei de Transparência”, os nomes dos seus beneficiários (e o valor detido por cada um), o governo se negou a responder, impedindo que saibamos a verdadeira distribuição dos títulos entre a chamada “classe média” e grandes investidores. No caso dos Fundos de Pensão (“Entidades Fechadas de Previdência”), onde geralmente trabalhadores contribuem para posteriormente, em tese, receber suas aposentadorias, o governo também não divulga qual o montante da dívida detido por eles. O Tesouro Nacional apenas divulga um valor denominado “Previdência” (que responde por 19% da dívida interna federal, conforme se vê no gráfico), que soma os Fundos de Pensão com a chamada “Previdência Aberta”, ou seja, onde qualquer pessoa – inclusive milionários e banqueiros - pode colocar suas economias. Por sua vez, o Banco Central divulga o montante da dívida interna federal detido pelos Fundos de Pensão, mas apenas a parte investida em títulos da dívida por meio de Fundos de Investimento, sem informar o montante de títulos da dívida comprados diretamente. A única forma de tentar estimar a participação dos Fundos de Pensão na dívida interna federal é por meio do “Informativo Mensal da Subsecretaria do Regime de Previdência Complementar”, onde se diz que os Fundos de Pensão aplicavam (em novembro de 2017) R$ 430,2 bilhões em investimentos de “Renda Fixa”, dentro dos quais se incluem títulos da dívida interna federal. Porém, não há detalhamento de qual montante destes R$ 430,2 bilhões estão aplicados em tais títulos. Portanto, apenas podemos dizer que os Fundos de Pensão respondem por bem menos que 10% da dívida interna federal, que já ultrapassa R$ 5 trilhões. Alguns analistas neoliberais também dizem que o chamado “Tesouro Direto” seria uma prova de que cerca de 2 milhões de pessoas podem investir na dívida pública. Porém, conforme se verifica na página do Tesouro Nacional, o montante da dívida detida no “Tesouro Direto” não chega a 1% do total da dívida interna federal. Portanto, tal discurso – de enfatizar a figura dos fundos de investimento, pensão e Tesouro Direto – faz parte de uma estratégia de legitimação da dívida pública, tentando passar a ideia de que a dívida beneficia todos os brasileiros, quando na realidade beneficia principalmente grandes bancos e investidores. Nota 2 - Também no minuto 13 do vídeo, o entrevistado João Pedro Stédite cita o gráfico de pizza da Auditoria Cidadã da Dívida, citando o percentual “dos impostos” que vai para o pagamento da dívida. Na realidade, o gráfico de pizza inclui todas as receitas do orçamento, que não se limitam aos impostos, mas também, por exemplo, as contribuições (como a do INSS, COFINS, PIS, etc), os lucros das estatais e do Banco Central (que, infelizmente, por lei são direcionados ao pagamento da dívida pública), e as receitas com novos empréstimos. Muitos blogs de ultra-direita tem criticado o gráfico da auditoria cidadã alegando que não se deveria contabilizar os gastos que são financiados com novos empréstimos, porém, tais gastos devem sim ser contabilizados, pois poderiam - e deveriam - estar sendo destinados para investimentos sociais (por exemplo, transporte público, melhoria dos hospitais, escolas, universidades, estradas, etc), e não principalmente para pagar juros , como ocorre atualmente. Quando o governo escolhe tomar empréstimos para pagar juros, ele está sim fazendo uma escolha política e obviamente gastando recursos públicos, ou seja, ele poderia destinar tais recursos para investimentos sociais, que gerariam retorno em termos econômicos (geração de emprego, na arrecadação tributária, etc) e gerando, assim, a capacidade de pagamento desta dívida. Por outro lado, tomar empréstimos para pagar juros só serve para concentrar ainda mais a riqueza e a renda no país. Nota 3 – Muitos entrevistados falam do chamado “Superávit Primário”, ou seja, em termos simples, a diferença entre a arrecadação tributária do governo e os gastos sociais. Na época em que ocorreram as entrevistas, havia superávit primário, ou seja, a arrecadação tributária era maior que o gasto social, sendo que tal sobra de recursos era reservada para o pagamento da dívida. De 1995 a 2015,houve um “superávit primário” acumulado de R$ 1 trilhão, e mesmo assim a dívida interna federal explodiu, de R$ 86 bilhões para 4 trilhões. O que prova que essa dívida nada tem a ver com um suposto excesso de gastos sociais (por exemplo, previdência, servidores públicos, etc), mas sim, com altíssimas taxas de juros e outros artifícios financeiros sem benefício para a população. Nos últimos anos, com a manutenção de uma política de juros altíssimos, a economia entrou em profunda recessão, fazendo cair fortemente a arrecadação tributária, gerando um déficit primário. Porém, isso não altera a priorização dos gastos com a dívida pública, pois o governo passa a tomar mais empréstimos para pagar os juros e amortizações da dívida. Para maiores informações e sugestões, entre em contato com o núcleo baiano da Auditoria Cidadã da Dívida: [email protected]
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SOBRE O BLOG...O movimento da Auditoria Cidadã da Dívida agora conta com este espaço, desenvolvido para dialogar com você que está em busca de novos caminhos e linguagens que descompliquem o tema da dívida pública na sua cabeça. Este blog é uma iniciativa do núcleo baiano da Auditoria Cidadã da Dívida para uma educação econômica e emancipadora da população brasileira. O núcleo identificou, após algumas atividades de formação com grupos sociais diversos, a importância de se construir um espaço para dialogar com principiantes no assunto. O propósito deste blog é tornar mais acessível esse tema que muitas vezes parece um “bicho de sete cabeças”. Se você já acessa o conteúdo informativo da página da Auditoria Cidadã da Dívida, contará a partir de agora com o blog “Descomplicando a dívida pública”, uma ferramenta que reunirá conhecimentos sobre a dívida pública a partir de outras linguagens – como aquela que é própria dos filmes/documentários –, com textos e informações compreensíveis. Construiremos coletivamente este blog trilhando os caminhos da popularização do conhecimento. Esperamos que este seja mais um instrumento de formação crítica na luta contra o sistema da dívida que também tenta se impor por meio de uma linguagem complexa, servindo exclusivamente para afastar as pessoas desse tema que é decisivo para a garantia dos nossos direitos básicos como saúde, educação e habitação. |